Casa da Farinha em Ubatuba: Tradição Quilombola no Coração da Mata Atlântica

Logo depois da entrada discreta na Rio-Santos, uma estrada de terra serpenteia pela mata, contorna vilas isoladas, atravessa pontes de madeira e parece nos transportar no tempo. Ali, sem placas chamativas, sem filas de turistas com celular na mão, está um dos espaços mais simbólicos da cultura tradicional de Ubatuba: a Casa da Farinha.

À primeira vista, pode parecer apenas uma construção simples ao lado de um riacho, com uma roda d’água girando lentamente. Mas basta caminhar um pouco, conversar com os moradores, olhar para os detalhes do lugar, para entender que aquele moinho não está parado no tempo. Ele gira com a força da resistência, da ancestralidade e da conexão direta com a terra. Logo abaixo, você confere os principais detalhes desse espaço.

Onde fica a Casa da Farinha?

A Casa da Farinha está localizada na região norte de Ubatuba, dentro do Parque Estadual da Serra do Mar, em uma área chamada Sertão da Fazenda. O acesso é feito pelo Km 12 da rodovia Rio-Santos (BR-101). A partir daí, você percorre 2,4 km por uma estrada de terra conhecida como Estrada da Casa da Farinha.

Nesse bairro de Ubatuba, você já tem um convite à imersão: passa por pequenas vilas, por construções antigas, como a Capela de São Pedro, e termina em uma clareira onde a natureza se mistura com história.

Qual é a importância da casa da farinha?

A Casa da Farinha faz parte da Comunidade Quilombola da Fazenda Picinguaba, reconhecida oficialmente como remanescente de quilombo pela Fundação Palmares em 2005. Famílias que vivem no local descendem de grupos que ocuparam a região desde os anos 1950, quando a área ainda não era cortada pela rodovia.

Muitos moradores, como o mestre quilombola Seu Zé Pedro, foram responsáveis por manter viva a cultura, o modo de vida tradicional e o uso coletivo da terra e do engenho.

Qual é a História da Casa da Farinha?

No século XVIII, o local abrigava o Engenho da Fazenda Picinguaba, que transformava cana-de-açúcar em cachaça, açúcar e álcool. Essa produção marcou o início da colonização da região.

No entanto, após ser abandonado, parte da estrutura foi aproveitada na década de 1950 para construção da Casa da Farinha, com destaque para a roda d’água, que passou a mover os equipamentos de fabricação de farinha de mandioca.

Em 1986, a construção passou por restauração, ganhando novos equipamentos e voltando a operar de forma plena. Hoje, além de funcionar como espaço produtivo, é também um monumento histórico e cultural.

Como é a estrutura atual da casa da farinha?

A Casa da Farinha possui:

  • Um moinho hidráulico movido por roda d’água;
  • Espaço coberto com fornos e estruturas para secagem e peneiramento da farinha;
  • Ferramentas originais ou reformadas da antiga fazenda;
  • Área externa integrada à paisagem da Mata Atlântica.

Do lado de fora, há bancos de madeira, trilhas e uma casa de artesanato, inaugurada em 2013, onde são vendidos produtos da comunidade quilombola: bolsas, bonecas, arte em madeira, utensílios e alimentos típicos.

Mais que farinha: autonomia e tradição

Além da produção de farinha de mandioca, a comunidade desenvolveu nos últimos anos iniciativas que valorizam a sustentabilidade e o empreendedorismo local. Em 2014, foi fundada a Cooperativa do Azul, com apoio de economistas como Paul Singer e David Calderoni.

Em 2015, surgiu o restaurante de gastronomia quilombola, com receitas tradicionais feitas com produtos da região, como peixe com banana verde, feijão catador e bolos de mandioca.

Essas ações geram renda, fortalecem a identidade quilombola e tornam o local um modelo de turismo comunitário e economia solidária.

Trilha do Corisco: história em movimento

Na lateral da Casa da Farinha começa a Trilha do Corisco, uma antiga rota de ligação entre Ubatuba e Paraty, usada por séculos antes da construção da Rio-Santos. Esse percurso é responsável por cortar o Parque Estadual da Serra do Mar até encontrar o Parque Nacional da Serra da Bocaina.

Ao longo da trilha, há pontos marcantes como o Poço da Rasa, o enorme jatobá centenário e pequenos córregos. Durante o trajeto, guias locais contam histórias do percurso, lendas da região e mostram o uso de plantas medicinais, técnicas de agricultura e modos de vida tradicionais.

O que tem no núcleo quilombola ao redor da casa da farinha?

O núcleo quilombola ao redor da Casa da Farinha conta com:

  • Escola local, que ensina desde o currículo tradicional até os saberes da comunidade;
  • Capela de São Pedro, símbolo de fé dos moradores;
  • Oficinas de saberes tradicionais, como construção de canoas, rodas de conversa sobre memória e encontros culturais com música e culinária.

Sem dúvidas, esses elementos ajudam a fortalezer tanto a resistência quanto a história da cultura afro-brasileira em nossa cidade.

Um lugar que produz mais do que farinha

A Casa da Farinha é um espaço onde a tecnologia ancestral e o conhecimento coletivo se unem em um ambiente natural e preservado. É prova de que desenvolvimento pode andar junto com tradição, e que comunidades organizadas conseguem resgatar e manter seu território, sua cultura e seu modo de vida.

Mais do que um ponto turístico, é um espaço de aprendizado, respeito e valorização da cultura quilombola, essencial para a história de Ubatuba e do Brasil.

Como visitar a casa da farinha?

Seguem as orientações para você conhecer a Casa da Farinha. Tome nota:

  • Endereço: Estrada secundária de 2,4 km a partir do Km 12 da Rodovia Rio-Santos (BR-101), sentido Paraty.
  • Entrada: gratuita.
  • Funcionamento: local aberto, mas é recomendado visitar durante o dia e acompanhar com guias locais ou moradores.

Além disso, é importante destacar que, em períodos chuvosos, a estrada costuma ficar escorregadia. Logo, recomenda-se que você vá ao local com tração ou agende um transporte com moradores da região. Assim, você pode transitar por lá com segurança. A seguir, desenvolvemos esta imagem que traz um pouquinho da realidade do local durante as chuvas. Veja só!

Enfim, a Casa da Farinha da Fazenda Picinguaba não é só um espaço físico. Trata-se de um símbolo que transmite a resistência. Ela não deixa a memória morrer. Pelo contrário, destaca a cultura enraizada e o desenvolvimento comunitário com respeito à ancestralidade.

Visitar o local é uma forma de entender mais profundamente o Brasil rural e quilombola, além de apoiar diretamente um modelo de turismo sustentável e justo.

Portanto, se você procura um passeio fora do óbvio em Ubatuba, onde a experiência vai além das paisagens bonitas e se conecta com a história e o presente de um povo, a Casa da Farinha é parada obrigatória.

E não se surpreenda se, ao final da visita, o cheiro da mandioca tostando no forno se misturar à certeza de que há muito mais Brasil escondido entre as árvores da Serra do Mar do que imaginamos.

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